Nosso corpo é preparado para reagir involuntariamente às circunstâncias e às pessoas. Nosso coração dispara ou paralisa, esquentamos ou esfriamos, o peito aperta ou relaxa, as pernas tremem ou se preparam para correr, sentimos forte impulso para tocar ou agredir alguém, etc. A essas reações, diante de um contexto específico, damos o nome de sentimentos: amor, raiva, medo, tristeza, alegria, frustração, angústia, alívio, ansiedade e tantos outros. Até aqui tudo tranquilo: entendemos que nossos sentimentos são produtos (reações) daquilo que estamos vivendo, funcionando como um sistema de alarme que avisa quando a situação está agradável e favorável ou quando está perigosa e aversiva.
Aprendemos a nomear nossas reações emocionais, diante de determinadas circunstâncias, com as pessoas da nossa comunidade. Geralmente, mas nem sempre, nossa primeira comunidade é a família. Nossos pais e cuidadores, atentos às nossas expressões corporais e a situação em que estamos envolvidos, nos dizem o que estamos sentindo e, assim, vamos aprendendo a observar nosso corpo e a dar nome ao que sentimos. Além disso, aprendemos a julgar nossos sentimentos, classificando-os entre bons e ruins.
Nesse momento começa um jogo perigoso. Nossos sentimentos, quando classificados como aversivos, ruins ou errados, passam a ser o problema. Eles deixam de ser um aviso do nosso corpo às situações problemáticas. Nesse momento, corremos o risco de ignorar a circunstância, evento ou pessoa que produz uma sensação aversiva de angústia, por exemplo, e focamos nossa atenção no sentimento. Como aprendemos que o que é ruim precisa ser eliminado, iniciamos uma guerra, que pode ser dividida em duas grandes batalhas: lutamos para eliminar a sensação aversiva e não mudar o que a produz; e negamos a expressão de sentimentos tidos como aversivos de nossas crianças.
Quando entramos na primeira batalha, ocupamos todo o nosso tempo lutando contra nossos sentimentos, evitando o sentir aquilo que é considerado ruim, sem mudarmos, quando possível, as situações que levam a tal sentimento. Com isso, não sobra tempo para produzir momentos e contatos que nos fazem sentir bem. Batalha perdida.
Na segunda batalha, a luta é para, supostamente, proteger a criança dos sentimentos desagradáveis, e fazemos isso de várias maneiras, tais como: negando a dor numa topada do dedão do pé; declarando como lindo tudo o que a criança faz, mesmo que ela diga que está horrível e; fazendo as tarefas por elas para que ela não se fruste. Nesse processo, com o objetivo de proteger a criança dos seus sentimentos, nós estamos, de fato, invalidando suas sensações e percepções sobre si e sobre o mundo, desenvolvendo insegurança, baixo senso de auto-eficacia e autoconceito negativo. Esse processo, se repetindo por um longo período, pode fazer com que a criança se torne um adulto instável, desregulado emocionalmente, que evita a vida, agindo de forma passiva- agressiva, pois não aprendeu que é capaz de tomar decisões, enfrentar situações difíceis e superar desafios.
Por fim, ao tentamos evitar o nosso sofrimento e das nossas crianças, criamos condições que levam a maior sofrimento e sensações aversivas a longo prazo. O que podemos fazer?
Acolher, aceitar e respeitar.
Acolher os sentimentos que percebemos em nós ou descritos pela criança, ouvindo com atenção e afeto. Viva e deixe a criança viver a situação atual e momentânea. Fácil ou difícil passará. Por mais difícil que seja se deparar com os sentimentos aversivos, com o sofrimento do outro e o seu, autorize-se a sentir e que o outro sinta. Receba a expressão de sentimentos, enfrentando as dificuldades e os desafios, com todo mix de sentimentos que isso produz.
Ao receber, aceite sem julgamento, não refute o seu sentimento nem o do outro. Seus sentimentos e do outro são genuínos e válidos. Aceite-os e ensine a criança a aceitá-los como parte natural da vida. Todos os sentimentos são naturais e ocorrem em função de situações que se viveu e que se está vivendo. Como já dissemos, o problema não está na sensação, mas sim nas circunstâncias históricas que provocaram tal sensação. Não condene o outro e nem você por sentir o que sente. Olhe para a situação e se engaje em mudá-la quando for possível e, quando não for, simplesmente aceite.
Ao aceitar, respeite os sentimentos, as opiniões e percepções tanto suas quanto da criança, que pode ser diferente da sua. Ser diferente não significa ser errado. As crianças e pessoas no geral não precisam que você sinta o mesmo que elas ou tenha a mesma percepção e visão do mundo, elas só precisam que você respeite a diferença.
Parece que a ideia de felicidade eterna e perfeição são apenas promessas. Não podemos evitar o nosso sofrimento é muito menos de nossas crianças, mas podemos estar um do lado outro para ajudar-mo-nos a aceitar, se reerguer e reconstruir.
Denise de Lima Oliveira Vilas Boas
Doutora em Psicologia experimental: análise do comportamento pela PUC-SP
Especialista em Terapia comportamental e cognitiva pela USP-SP
Sócia diretora do Núcleo Tríplice de análise do comportamento
Professora da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
Atua como terapeuta analítico comportamental.